Leandro Mazzini

based Brasília, BRAZIL ❤️ 🇧🇷

Carlos Heitor Cony

Entrevista concedida em abril de 2001

Se as paredes do salão de visitas da Academia Brasileira de Letras tiverem ouvidos, certamente escutaram a voz de um Cony introspectivo, mas seguro de que a literatura e o jornalismo não poderiam faltar em sua vida. Os quadros da caricatura dos acadêmicos expostos nas paredes são prova de que ali, realmente, existem imortais, e não somente nas páginas que circulam nas bibliotecas e livrarias. Até Machado de Assis, compenetrado e de pincenê, parecia perguntar naquele momento: o que seria de Carlos Heitor Cony caso tivesse se empenhado no sonho de ser maquinista da Central do Brasil? O “bruxo” do Cosme Velho não saltou do quadro para perguntar, mas provavelmente diria que a literatura contemporânea não seria a mesma.

Você é considerado pelos críticos como o maior intelectual brasileiro da atualidade. Como encara isso?

Não sou um homem acima do bem e do mal, e também não existe o maior ou melhor intelectual. Temos hoje muitas pessoas que se destacam pelo que fazem, em vários segmentos culturais, daí definirem isso. Mas não me considero um.

E quem é hoje um grande intelectual?

É difícil encontrar. Mas tivemos o Nelson Rodrigues, que foi uma grande perda. Ele era um grande intelectual: pensador, com frases marcantes; cronista, contista, romancista, dramaturgo. Apesar de não demonstrar sabedoria, lia Dostoievski e filosofia.

A nostalgia parece ser fator marcante em grande parte de sua obra. Você acha que ela deve fazer parte da literatura, que todo escritor deve ser nostálgico?

Não considero, em meu caso, uma nostalgia, e sim uma melancolia. Uma coisa que está dentro de mim e de certa forma passo para o papel. Agora, cada escritor tem seu estilo.

E na sua rotina de produção literária-jornalística? Encontra dificuldades em escrever por falta de inspiração ou devido a outros fatores?

Escrevo por uma certa compulsão interior, que me faz produzir constantemente. Agora, não chega a ser um grande prazer. Antes, alguns fatores influíam, como o barulho da máquina de escrever, os locais de trabalho nas redações… Flaubert tinha dificuldades. Otto Lara Resende, também encontrava tamanha dificuldade em escrever. Certa vez, foi encontrado um bilhete de Otto em seus manuscritos, nos quais ele dizia que “só uma besta se mete a escrever”.

Em relação às bienais do livro, qual a sua opinião sobre os eventos no Brasil?

Todo ano está acontecendo uma feira no Rio e outra em São Paulo, e o público está participando muito. Só não pode acontecer o que houve recentemente, quando os calendários das bienais de São Paulo e do Rio coincidiram. Resultado: a bienal de São Paulo foi um fracasso e a do Rio faturou muito. Estive na Bienal de Paris, em 1998, e encontrei autores de todo o mundo. Quem também prestigiou foi o presidente Jacques Chirac.

Ele levou um livro do Paulo Coelho na ocasião. Como você vê a ascensão de Coelho no exterior e todo o seu sucesso?

O Paulo pega uma “corda que vibra no interior das pessoas”. E não vejo vigarice nisso. O sucesso dele está na simplicidade e humildade. Ele é muito criticado por seu conteúdo, sabe disso, e continua em silêncio, só produzindo.

E se ele se candidatar a uma cadeira na ABL, tem chances?

Depende da concorrência. Se, por exemplo, o Fernando Sabino disputar com ele, o escritor mineiro vai entrar. O que se levará em conta será a notoriedade do Paulo.

Nesse caso, a ABL não é elitizada?

A Academia é apenas uma circunstância. É claro que aqui dentro temos literatos e notáveis, mas todos têm uma ligação com a literatura. O Ivo Pitanguy, por exemplo, na minha opinião é um dos maiores conhecedores da literatura francesa no país, apesar de médico. O economista Roberto Campos é um senhor filósofo. Mas vemos na história que a Academia Francesa, por exemplo, era basicamente formada por notáveis.

A literatura no Brasil tem caminho próspero?

A literatura no Brasil se desenvolveu passo a passo com a História do Brasil. São duas manifestações simultâneas. O país foi criado com literatura, desde a carta de Caminha, no descobrimento, que é um documento fantástico. O país tem uma vocação literária.

Cony por Cony?

Sou o menino de Lins de Vansconcelos, espantado diante do mundo (após 30 segundos de silêncio). Ganhei e perdi muita coisa na vida, mas hoje, quando estou em dúvida com alguma coisa, consulto o menino dentro de mim.

(Nota do repórter: Lins de Vasconcelos era o nome da rua onde Cony morou quando criança e hoje nome a um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro).

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