Leandro Mazzini

based Brasília, BRAZIL ❤️ 🇧🇷

Elza Bretanha, viúva de Nelson Rodrigues

Entrevista concedida em 2000

Um papo com Elza Bretanha, mulher de Nelson Rodrigues

Sentada no sofá que outrora era o preferido do marido, Elza Bretanha recorda com entusiasmo a sua convivência com Nelson. Vez em quando, durante a fala, lança um olhar carinhoso à imagem do dramaturgo, fixa do outro lado da sala de jantar. Um olhar de amor eterno, ou “amor de outono” , como ela mesma define sua vida conjugal.

Com uma paciência peculiar, Elza não se incomoda em revelar como conheceu o escritor, o casamento escondido, as surpresas que preparava para o marido, a separação, a reconciliação… e a saudade que ele deixou na família e nos leitores. Curiosamente durante nosso papo de horas no apartamento do Leme, com aquela vista linda para o mar, foram aparecendo gatos de todos os cantos da casa. Contei sete, isso mesmo. Os sete gatinhos de Dona Elza.

“Conheci Nelson na redação do jornal O Globo. Naquela época só havia uma senhora na redação, com seus sessenta anos. Fui a primeira moça a trabalhar no jornal, jeitosinha e bonitinha. Roberto Marinho ficou em “pânico porque só tinha homem lá dentro. Nessa época Nelson saía do sanatório, devido à tuberculose.

“Fui a primeira moça a trabalhar no jornal, jeitosinha e bonitinha. Roberto Marinho ficou em ‘pânico’ porque só tinha homem lá dentro.”

O boato chegou ao seu ouvido: “Nelson, lá no jornal está trabalhando uma moça que é um encanto.” E ele disse: “Está no papo”. Ele era um conquistador. Foi sentar justamente ao meu lado para trabalhar. Falava muito bem e me conquistou aos poucos. Contava de sua vida, tudo para poder colocar o meu coração em alerta. E não deu outra, apaixonei-me por ele.

“Eu me casei com o Nelson no civil no dia 29 de abril de 1940. Porém, como minha mãe não queria o casamento, foi tudo escondido. Enquanto isso, fui para minha casa e ele voltou para a dele. Naquela época a virgindade era tudo. Quando minha mãe descobriu, nós só pudemos nos casar no religioso no dia 17 de maio do mesmo ano. Então casei de véu e grinalda, como queria”.

“Fomos morar juntos. Logo, preparei uma surpresa para Nelson. A cada mês, quando se completava um mês de casamento, ele chegava do trabalho e me encontrava vestida de noiva, dos pés à cabeça, com véu e grinalda. Ele adorou. Fiz isso durante seis meses, até que no sétimo mês eu não consegui mais colocar o vestido, devido à gravidez”, conta, admitindo que a sua tradição intimista rendeu ao dramaturgo inspiração para “Vestido de noiva”.

“A cada mês, quando se completava um mês de casamento, ele chegava do trabalho e me encontrava vestida de noiva, dos pés à cabeça, com véu e grinalda.”

“Um caso interessante não me escapa da memória. Certa vez o Nelson presenciou uma situação familiar. O marido bateu muito na mulher, e apesar de apanhar, ela ficou ainda mais apaixonada pelo homem. Então Nelson criou aquela famosa frase: “Mulher gosta de apanhar.” Porém, o Nelsinho, com 11 anos, estava no colégio militar, e o pessoal de lá lhe perguntava : “Sua mãe já apanhou hoje?” Era uma espécie de distração para o público. Eu chegava no trabalho e as colegas perguntavam: “Elza, quantas vezes você já apanhou hoje?”

“Eu chegava no trabalho e as colegas perguntavam: Elza, quantas vezes você já apanhou hoje?”

Nós ficamos casados praticamente 25 anos no civil. No religioso, não fizemos bodas de prata porque ele se separou de mim 16 dias antes do aniversário de casamento. Ele foi embora porque gostou de outra mulher. Nelson se achou na obrigação de sair de casa, e disse para mim: “Já tenho dois filhos crescidos e preciso sair de casa” . “Ele não me revelou o motivo, que vim a saber mais tarde por outros: ele havia engravidado esta mulher”

“Ficamos 14 anos separados, mas sempre amigos. Nunca enchi a cabeça dele com pensão e outras coisas. Ele, antes de sair, me deu um emprego maravilhoso, do qual sou aposentada. Nelson pediu trabalho a Juscelino Kubitschek e foi atendido na hora. Como não passou no exame admissional devido ao problema de vista, ele abdicou do emprego a meu favor”.

“Quando meu filho estava na cadeia em 1977, Nelson voltou para casa. Foi um “amor de outono”. Havia amor de verdade, ternura. Onde a gente se encontrava na casa, dávamos um beijinho estalado, uma ponta de beijo verdadeiro. Aquele namoro voltava, um namoro de segurar na mão, de colocar a mão no ombro. Foi uma delícia. Só lamento ter sido durante três anos, porém foi muito bom. Aquele era o verdadeiro Nelson, que deixou saudades”.

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