Leandro Mazzini

based Brasília, BRAZIL ❤️ 🇧🇷

Heloísa Helena, fundadora do PSOL

Publicada em 2005

“Não ficaremos parados diante dos neoliberais da estrelinha”

Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho tem um amigo padre que um dia lhe confidenciou a frase: “Partido é meio, assim como a igreja. O fim é o reino de Deus. As igrejas são o meio”, lembrou ela em um artigo recente. Fiel à sua trajetória política, a senadora alagoana segue o mote ao pé da letra. Quem rememora os acontecimentos da carreira de Heloísa – principalmente a sua expulsão do PT – há de concordar com a sentença ao conferir o que ocorreu desde então. Ela trocou de legenda, mas não mudou o viés do discurso contra as injustiças sociais. Ao lado dos dissidentes Babá e Luciana Genro, fundou o P-SOL – Partido Socialismo e Liberdade, que a lançará candidata à Presidência da República em 2006.

Não será surpresa se a senadora alagoana receber milhões de votos no pleito. A vitória, ela mesma admite, é quase impossível, mas entrará na briga. “Quando terminarmos a campanha de 2006 queremos estar de cabeça erguida olhando nos olhos dos trabalhadores com a consciência tranquila do bom combate”, diz, confiante. (Obteve 6.575.393 votos para presidente da república na eleição de 2006, o que a colocou em 3º lugar)

Nessa batalha prevista, ela é direta ao apontar casos que considera injustiças e já mirou o adversário, no melhor estilo que a consagrou: “O Governo Lula faz a vergonhosa opção de legitimar a velha e carcomida verborragia da patifaria neoliberal. Potencializa a alegria dos que chafurdam na pocilga do capital, promove contra-reformas, desestrutura parques produtivos, destroi postos de trabalho e enaltece moralmente e publicamente a canalha da política nacional”.

Baseado em 21 pontos, o programa de governo do P-SOL não foge da comparaçãoo à cartilha do PT, firmada há 25 anos. Heloísa quer inclusão social com reformas agrária e urbana, além de rompimento imediato com o FMI. Para ela, a Lei de Falências e a aprovação das Parcerias Público-Privadas (PPPs) causarão “o aprofundamento do parasitismo do Estado e a corrupção.  Enfermeira é formação da senadora – mostra que não deixará sua candidatura ir para a UTI. “O nosso Programa apresenta uma alternativa de esquerda para o Brasil, democrática e plural, com mecanismos concretos que  garantem a participação ativa da militância”, reforça a senadora, em entrevista.
 

O país vive uma situação inédita, com a chegada da esquerda ao poder. Como a senhora avalia a atual administração do PT?

Infelizmente, infelizmente mesmo, o Governo Lula é uma medíocre ferramenta da propaganda triunfalista do neo-liberalismo. Lula chegou à Presidência em uma conjuntura absolutamente favorável, sendo a maior liderança popular do Brasil, eleito com mais de 65% dos votos – em uma eleição onde desde o 1º turno mais de 70% da população votou em candidaturas que se apresentavam como de oposição ao Governo FHC – em um “ambiente econômico” com ajuste interno, retorno dos superávits comerciais desde 2002, inflação baixa.

No início do seu Governo contou ainda com juros baixos, fluxo de capitais abundante, inflação próxima de zero, países periféricos crescendo. E o que faz o Governo Lula? Enfrenta as vulnerabilidades e dificuldades econômicas típicas do neo-liberalismo? Promove Reformas progressistas ou ao menos republicanas que possibilitem superar o Estado parasitado e privatizado a serviço da cínica elite política e econômica? Investe em políticas públicas? Não! Não! O Governo Lula faz a vergonhosa opção de legitimar a velha e carcomida verborragia da patifaria neo-liberal. Assim sendo, potencializa a alegria dos que chafurdam na pocilga do capital, promove contra-reformas, desestrutura parques produtivos, destroi postos de trabalho e enaltece moralmente e publicamente a canalha da política nacional. E ainda se dá ao luxo de continuar fingindo de forma desavergonhada que o seu Governo não é de continuidade e aprofundamento do modelo dos sonhos tucanos.  

Você luta pelos sem-terra que promovem ocupações em variadas áreas do país. O que falta ao governo para fazer uma reforma agrária significativa? Como se faz uma reforma justa, ajudando a quem de fato precisa, sem ônus abusivos para a União?

Os movimentos ocupam terras improdutivas porque o governo não tem política de Reforma Agrária. Vive em pêndulo entre as pressões da bancada ruralista e o  agroshow –  que o Governo Lula prioriza como referência de produção e exportação para pagar os serviços da dívida – e o gesto de colocar o boné do MST. Todos lembram que ainda em 2003, uma comissão – a partir de uma delegação do próprio Governo – e coordenada por Plínio Arruda Sampaio estruturou um Plano Nacional de Reforma Agrária. Esse plano era ousado porque estabelecia como meta assentar um milhão de famílias em 4 anos. Essa a meta – plenamente factível desde que haja vontade política. E essa vontade deve estar  apresentada na destinação de recursos e na arrecadação de terras griladas, por exemplo, nunca restrita aos discursos de demagógica conveniência para cooptar os movimentos sociais. Esse PNRA previa instrumentos essenciais que deveriam ser utilizados de forma integrada e complementar e de acordo com as características de cada região e das diversas  comunidades a serem beneficiadas. São instrumentos de redistribuição de terras, regularização de posses e novo reordenamento agrário; de fornecimento dos meios indispensáveis à exploração racional da terra, com infra-estrutura,  política de créditos, assistência técnica e alternativas de desenvolvimento sustentável para os  beneficiários da reforma agrária e aos agricultores familiares; de dinamização econômica,  e da vida social e cultural das áreas desapropriadas. Todos nós sabemos que o instrumento prioritário de obtenção de terras para o assentamento de famílias – a desapropriação por interesse social, complementada pela compra e venda (Decreto 433); destinação de terras públicas; obtenção de áreas devolutas; e, outras formas de obtenção (devedores, dação em pagamento).

O custo desse processo é insignificante diante do retorno social e econômico com a geração de postos de trabalho, o aumento da produção agropecuária (maior eficiência no uso da terra) e a melhoria das condições de vida das famílias pobres que perambulam pelas estradas e favelas do país. Embora os gastos de implantação dos assentamentos sejam imediatos, os recursos do governo federal com a aquisição de terras para reforma agrária pode ser dilatado, pois seu instrumento legal de desapropriação por interesse social, é resgatável em 20 anos, e os beneficiários começam a ressarcir o valor da terra recebida, em geral, a partir do terceiro ano da sua condição de assentado.

É muito importante também alterar os índices de produtividade (o Grau de Utilização da Terra “GUT” dos anos 80). Essa alteração pode ser feita, se vontade política houvesse, apenas com uma medida interna dos Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, o que possibilitaria um aumento significativo do estoque de terras disponíveis para a reforma agrária modificando a velha lógica de produção agropecuária. É fundamental priorizar a agricultura familiar para garantir a soberania alimentar e  aumentar os níveis de emprego, renda e da própria produção agrícola no País. De acordo com os dados oficiais, a agricultura familiar corresponde a 4,1 milhões de estabelecimentos (84% do total), ocupa 77% da mão-de-obra no campo e é responsável, em conjunto com os assentamentos de reforma agrária, por cerca de 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, 30% da área total, pela produção dos principais alimentos que compõem a dieta da população – mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos – e tem, ainda, participação fundamental na produção de 12 dos 15 produtos que impulsionaram o crescimento da produção agrícola nos anos recentes.

Em toda a década de 90, a agricultura familiar teve aumento de produtividade maior que a patronal: entre 1989 e 1999, aumentou sua produção em 3,79%, apesar de ter tido uma perda de renda real de 4,74%. A agricultura patronal, no mesmo período, teve perda menor (2,56%), mas aumentou a produção em apenas 2,60%. E este desempenho tem ocorrido sem que haja um acesso ao crédito proporcional à sua participação na produção. A agricultura familiar, que responde por 37,8% da produção, consome apenas 25,3% do crédito, enquanto a agricultura patronal, que responde por 61% da produção, consome 73,8% do crédito. Segundo dados do Censo Agropecuário 95/96, enquanto a agricultura familiar gera, em média, uma ocupação para oito hectares utilizados a patronal demanda 67 ha para gerar uma única ocupação, chegando a demandar 217 ha para cada ocupação na região Centro Oeste. Estes dados explicam por si só a insensibilidade do Governo com a questão.


A mesma tensão do campo se vive nas metrópoles. Há um déficit habitacional de milhões de residências. Qual o seu plano para uma reforma urbana?

Segundo as frias estatísticas oficiais, que escondem histórias de vidas que estão sendo destruídas, existe um déficit habitacional de 4 milhões de residências no país além da média de 4,2 pessoas por domicílios, o que é considerado adensamento excessivo. No documento Déficit Habitacional no Brasil – 2000, elaborado pela Fundação João Pinheiro , foi feita uma análise sobre a inadequação dos domicílios, ou seja, aqueles que apresentam deficiência em um ou mais aspectos analisados e necessitam de ações específicas, tanto do setor público quanto do privado.

Apontando tanto para a necessidade de aumento da oferta dos serviços de infraestrutura básica quanto da necessária definição de instrumentos que facilitem a legalização da posse da terra e da implantação de linhas de crédito, visando à reforma ou ampliação da casa própria. Assim, cada um dos componentes estudados define clientelas potenciais que devem acionar esferas distintas de competência na busca do equacionamento dos problemas apontados. Daí a necessidade de realizar a reforma agrária e assim minimizar o êxodo rural, de abrir linhas de crédito que possibilitem a construção da casa própria ou a compra de material de construção para melhoria do espaço habitacional e da qualidade de vida das populações pobres com a infraestrutura adequada, além do reordenamento sobre o espaço urbano com uma clara política de enfrentamento à especulação imobiliária. A gravíssima crise no setor é demonstrada nos episódios de massacres e assassinatos dos pobres sem-teto – como recentemente em Goiânia – nas tais das reintegrações de posse dos espaços urbanos


Em sua cartilha, o partido cita o “modo petista de privatizar” e critica a aprovação das PPPs. Em sua opinião, não há vantagens para o governo? Qual o perigo?

Quem analisa os memorandos técnicos, as cartas compromisso e as cartas de ajuste impostas pelos gigolôs do FMI sabem, se honestidade intelectual tiverem, que a Lei de Falências e as PPPs (entre outras medidas do saco de maldades deles!) possibilitam uma clara opção pelo capital,  privatizando setores estratégicos e sociais e proporcionando o aprofundamento do parasitismo do Estado, a corrupção e o aumento das tarifas públicas para garantirem o tal do equilíbrio econômico-financeiro das empresas beneficiadas pela privatização enrustida do PT. É um nojo!


O P-SOL tem um programa de governo praticamente alinhado ao do PT há 25 anos, destacando-se a reforma agrária, inclusão social e o rompimento com o FMI. Mas existe um abismo entre o discurso e o exercício do poder, o que se comprova no cenário estabelecido pelos petistas. Dá para consolidar uma esquerda no poder aliada à ideologia?

Quando o PT deixou de ser um partido de esquerda –  negando concepções programáticas ou aderindo de forma vexatória à condição de anexo dos interesses do Palácio do Planalto ou especializando muitos dos seus quadros  nos pequenos e grandes negócios sujos – nós nos sentimos na obrigação de ajudar na construção de um abrigo para a esquerda socialista e democrática. Assim, milhares de corações generosos e valentes que nunca tinham vivenciado o processo de construtivo partidária em belíssima unidade com militantes de esquerda espalhados pelo Brasil juntamente com algumas organizações de movimentos sociais e parlamentares iniciamos o movimento por um novo partido.  Instalamos em 2004 um fórum de debates em todos os estados para garantir que a construção  do Programa Provisório do PSOL simbolizasse a participação de milhares de pessoas e das concessões coletivas dos diversos agrupamentos socialistas.

Foi uma verdadeira travessia no deserto, em função dos gigantescos obstáculos da legislação eleitoral, mas especialmente muitos encontros com andarilhos e caminhantes lutadores do povo que não vendem suas convicções para se lambuzar no convescote do poder. O nosso Programa apresenta uma alternativa de esquerda para o Brasil, democrática e plural, de massas e internacionalista, liberta de qualquer interpretação fraudulenta do marxismo e do leninismo, com mecanismos concretos que  garantem a participação ativa da militância, e com pleno direito de tendências e profundo respeito às minorias internas. Se existe abismo entre programa partidário e  exercício do poder é porque não existe partido e sim vigarice política, demagogia eleitoralista e outras coisas mais do jogo sórdido da política que consiste apenas em tocar os tapetes dos solos supostamente sagrados dos palácios do poder.


A senhora acredita que a transposição do rio São Francisco vá inibir, em parte, os problemas causados pela seca no Nordeste? Tem um plano para vincular o que o governo investirá, em obras, a programas sociais direcionados?

Desde que as caravelas de Américo Vespúcio avistaram o rio pela primeira vez, no dia de São Francisco, que a demagogia cresce de forma desvairada com relação ao aproveitamento das suas águas. A Coroa Portuguesa chegou a prometer doar as pedras preciosas das suas joias (tudo mentira, claro!) para quem resolvesse o problema do Nordeste. De lá para cá, haja discurso oportunista das putrefatas oligarquias nordestinas em conluio com a cínica e fria elite paulista prometendo a cada eleição uma nova panaceia. O projeto de transposição representa não apenas uma farsa técnica e uma fraude política mas a reedição da velha indústria da seca com seus projetos faraônicos para beneficiar os grandes latifundiários da soja transgênica, das frutas que enfeitarão as mesas dos hotéis (que criança pobre jamais poderá tocar!) e do algodão colorido de exportação, além do propinódromo para beneficiar as empreiteiras, construtoras e seus serviçais na política.


O PSOL aparece como alternativa da esquerda em 2006. Qual a estratégia do partido para ganhar eleitores nos Estados? A senhora é candidata à Presidência da República?

Se eu fosse carreirista e oportunista jamais aceitaria este desafio de alta complexidade e de chance de vitória quase nula. Mas como militante socialista tenho obrigação –  e a cumpro com muita alegria é de estar disponível para todas as tarefas, fazendo panfletagem em porta de fábrica, coletando assinaturas numa feira do interior do meu estado, sendo candidata à Presidência ou dando aula na Universidade Federal de Alagoas. Sempre encarei mandatos políticos como uma trincheira de resistência e luta a serviço da minha classe, a classe trabalhadora. Luciana (Genro), Babá (nossos queridos e combativos deputados) e nossos militantes também assim pensam.

Então estamos tranquilos para tomarmos as decisões necessárias para 2006 e de uma coisa temos certeza: Não ficaremos paralisados diante do falso dilema entre os neoliberais do tucaninho e os neoliberais da estrelinha. Estaremos apresentando ou apoiando uma candidatura que represente as concepções programáticas acumuladas pela esquerda socialista e democrática que corajosamente ousou questionar e propor alternativas ao pensamento único, em uma política de alianças que se coadune com os objetivos estratégicos do PSOL e sua proposta de Programa de Governo. Com certeza não será possível aliança com capitalistas, neoliberais, cínicos enamorados da terceira via, homofóbicos,  racistas, machistas, delinquentes da política e outros representantes da sarjeta do mercado. Quando terminarmos a campanha de 2006 queremos estar de cabeça erguida olhando nos olhos dos trabalhadores com a consciência tranquila do bom combate e repetindo o verso do nosso Ledo Ivo: “Que eu mesmo sendo humano, também passe mas que não morra nunca este momento em que eu me fiz de amor e de ventura!”

Compartilhe: