Leandro Mazzini

based Brasília, BRAZIL ❤️ 🇧🇷

Vitórias e Bernardinos

As ruas estão cheias deles por aí, omitidos do cotidiano,
mas suas existências provam que ninguém consegue quebrar esse País

Conheci a jovem Vitória e o velho Bernardino em lugares distintos – e distantes – num intervalo de 10 dias. Você também os conhece, as ruas estão cheias deles por aí, onde estiver. Mas não os enxerga. O cotidiano nesse mundo de comunicação globalizada e tanta tecnologia e informação nos afasta da escrita, dos contatos, do olho-no-olho e, principalmente, das pessoas. Tardiamente nos daremos conta de que nos tornamos androides controlados pela IA e a Humanidade ficou lá atrás.

É preciso parar para ver as pessoas que aparecem na sua frente, é necessário conhecê-las. Todos além de você têm uma história interessante de luta, de sacrifícios, conquistas e derrotas – e quantas! Focamos nosso dia em metas e nos esquecemos de que aprendemos mesmo é com os outros. Ouvindo mais, em especial. Falamos muito de nós mesmos, de avanços e prosperidade, oramos para nós mesmos – em variados credos para numerosos deuses – e não pelos outros. O mundo gira e você passa: a coletividade é quem faz a diferença nele. O mundo fica, você vai.

Conheci Vitória, uma mocinha de uns 21 anos, num posto de combustíveis em Brasília, ao abastecer o carro. Supus que ela não conseguiria conferir o óleo, desci para abrir o capô e ela se antecipou, com toda sua delicadeza de mulher porém firme nas mãos. Vitória, você é filha do dono do posto, né? Não senhor. Moradora de Ceilândia, uma cidade pobre do Distrito Federal, ela trabalha para custear os estudos de biomedicina. E não tem vergonha de ser frentista. Agradeceu orgulhosa as dicas rápidas deste que já foi gerente de posto de beira de BR 116 aos 18 anos. Vitória, nunca tive vergonha de ser office-boy de oficina mecânica, frentista e gerente de posto, estagiário de banco, operário gráfico até conseguir meu diploma de jornalista. Acho um desperdício todos aqueles carros passando pelo posto e ninguém conhecer Vitória. Porque estão atrasados para seus compromissos. Agradeço a Vitória por me lembrar quem fui, e por me dar uma prova de que esse país tem jeito, a despeito de muitos que torcem contra, com seus atos e palavras errôneos. Seu nome, Vitória, é uma ode aos que lutam.

Como o senhor Bernardino, que entrou no meu carro na estrada “reta dos búfalos” entre Trancoso e Caraíva, Sul da Bahia, há duas semanas. Um instinto me levou a frear o carro e esperar o andar cansado daquele senhor negro com um saco nas costas sob um sol de rachar a alma das 13h. O papo veio naturalmente. Estava a 4 km de seu destino mas já havia caminhado uns 18km, sua rotina, catando latinhas na estrada (e como esse povo é porco. Nesse trecho, ele encheu o saco com umas 70). Bernardino, que mora em Itaporanga, nasceu numa cidade do sertão baiano e se mudou para a vila, distrito de Porto Seguro, há três anos. Faz dessa labuta o seu ganha-pão, o almoço e a janta. Vende as latinhas para uma recicladora. Bernardino estava feliz. Acredito que você, aí com seu celular ou no seu desktop no ar condicionado, esteja também – sem precisar caminhar até 25km por dia para míseros reais.

Vitória e Bernardino não querem muito, mas sonham e sobrevivem. Como milhares de outras Vitórias e Bernardinos desconhecidos no Brasil inteiro. Se eu não abastecesse naquele posto ou não parasse o carro na estrada, deixaria de conhecer duas pessoas tão distintas como incríveis. Uma quer estudar e crescer, outro já cresceu e quer sobreviver – e ambos são tão iguais. Tão nós. O Brasil está cheio deles por aí. São invisíveis e precisam ser conhecidos. Parem um pouco, por minutos, para se reconhecer neles. Eles estão cheios de energia para te passar, para te ensinar mais, e por causa deles ninguém consegue quebrar esse país, embora muitos tentem.

Caramba, esqueci de tirar fotos com meus heróis.

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